Carta de Agostinho Barbalho Bezerra Governador eleito pelo povo do Rio de Janeiro do successo do alevantamento
Emissor | Destinatário | Governador-Geral | |
Ano | 1660 | Espaço de destino | Estado do Brasil |
Texto | Supposto que em toda a occasião devo dar conta de mim a V. Sa. como meu Senhor, nesta o faço particularmente, em razão do logar em que estou governando esta praça por eleição da nobreza, e povo delia, e seu Recôncavo, que conspirando contra o Governador Salvador Corrêa de Sá, e Benavides, pelas razões que devem representar a V. Sa. a cujo respeito se uniram, e conformaram todos em um corpo, e subiram a Casa do Senado, donde a sino tangido, com publicas, e altas vozes, re . . . eram do Governo desta repartição, não só a Salvador Corrêa de Sá que se havia partido a tratar das minas de Ouro até São Paulo, mas também a seu primo Thomé Corrêa de Alvarenga, que havia deixado governando cm seu logar; o qual á vista do movimento, e alteração do povo, desamparando a jiraça, se tinha retirado ao Mosteiro do Patriarcha São Bento, donde, não querendo sair: sendo chamado ao Paço do Conselho em nome de Sua Magestade para lhe deferir a uns Capítulos que lhe tinhain^ proposto, o qual lhe respondeu ultima vez que fizessem o que quizessem: com o que logo assim, de commum consentimento, e conformidade, protestando sempre serem leaes vassallos de Sua Magestade, trataram de fazer eleição de pessoa que os governasse até ordem do dito Senhor a que sempre estavam sujeitos, e com isto me elegeram logo alli por Governador, e indo me buscar a minha casa, e dalli a São Francisco donde me tinha recolhido, por não achar já ao dito Governador Thomé Corrêa na sua aonde o fui buscar para lhe assistir, e acharme com eíle, aifim me propuzeram o que havia passado, e que acceitasse o Governo a que fiz todas as repugnancks que pude. intimando-lhe as razoes que havia para não mudarem de Governador o que nada montou para deixarem de proseguir com seu intento, até chegarem-me a propor diante o risco da vida, com que assim forçosa, e violentamente com aquelle tumulto me levaram á Casa do Conseiho, aonde segunda vez me escusei com dobrados requerimentos, que nada importaram para que deixassem com as mesmas violências de proseguir com seu intento, mettendo-me de posse do governo no qual tanto que entrei que foi en, S de Nov mb.o próximo avisei logo ao dito Thome Corrêa de Alvareuga, se viesse para sua casa, e lhe mande, prover do grosso da Manteria o que me pareceu bnstante para sua guarda, e segurança que tudo era necessário á vista da fúria, e alteração do povo, eo mesmo ao Capitão Pedro de Sousa Pere.r.seu cunhado Provedor da Fazenda Real e ao Sargento-maior Martim Corrêa Vasques seu Irmão, e que um e outro exercesse seu cargo, ass.st.ndo o d,io, üovernador a mostra, e paga que logo fiz a infanteria em 12 do dito mez de Novembro. Estando as cousas nestes termos, nao eram bem passados dous dias, quando se tomou de novo a levantar o povo com maior excesso, e furor que o passado, appellidando mortes, c ruínas contra toda a família dos Corrêas, que tão arraigada estava a queixa, e obstinação nos ânimos de todos, acudi atalhar esta desordem com ioda a brevidade, e prudência que pude, e requerendo-lhe da parte de Sua Magestade que com todo o socego, e quietação tratassem do que convinha a seu Real Serviço, e bem commum por seus procuradores, que alli me tinham para lhe deferir, com que os soceguei, c me pediram subisse com elles á Câmara que lá me dariam a resposta, a qual veiu a parar em requererem, com altas, e duplicadas vozes que fossem logo presos nas fortalezas da barra, e desta praça, não só o dito Provedor, e Governador que fora; mas também seu irmão o Sargerito-mor Martim Corrêa Vasques, e que sem isso, se não haviam de aquietar, e por mais que trabalhei pelos divertir deste seu requerimento, representando-lhes a pouca razão que havia para os prenderem, sem serem convencidos em culpa alguma, além dos inconvenientes que se seguiam da dita prisão, em especial o Sargento-mor porquanto estava sujeito a minhas ordeus, e dando-as a execução com toda a obediencia; e que o Provedor tinha que dar suas contas, como o mesmo povo requeria, e que inaí o podia fazer estando preso, e menos exercer o seu officio, com que ficava prejudicado o serviço de Sua Magestade, e direito das parles; porém nada disto-foi bastante a dissuadil-os; com que se resolveu o Ouvidor geral, com approvação cios Officiaes da Camara, que a tudo estiveram presentes, a prendel-os nas ditas fortalezas, sem consentimento meu. Em cinco de Dezembro se conheceu entrava muita gente do Recôncavo nesta Cidade, com o que encarreguei aos Officiaes das Companhias da Ordenança do dito Recôncavo que com todo o cuidado acudissem a seus districtos, e atalhassem a seus moradores pela via, e sagacidade que podessem que não viessem a esta Cidade, por temer nella de seu ajuntamento uni grande desserviço de Sua Magcstade, o que não podendo atalhar os ditos ()fficiaes mandei lançar um bando, que dentro em quarenta e oito horas se recolhessem a suas fazendas ameaçando com castigo ao que o contrario fizesse, ao qual, em logar de obedecerem, romperam, gritando pelas Ruas desta cidade havia nella conjuração, urdida pelos presos, e seus aluados contra os moradores, e que no Convento do Patriarcha São Bento estava grande quantidade de armas, para deile se conseguir a facção que intentavam contra o serviço de Sua Magestade dc que tinham avisos, e noticias certas. Neste tumulto, e aperto veiu o Ouvidor Geral com os procuradores do povo, e officiaes da Câmara requerer-me mandasse recolher para a Cadeia da Cidade o Capitão Pedro cie Sousa Pereira, e seu cunhado Thomé Corrêa de Alvarenga, que nas fortalezas estavam presos por requciimento do mesmo povo, ao que respondi que eu tomava sobre mim a segurança de suas pessoas e entregal-as á ordem de Sua Magestade, como o mesmo povo havia disposto na sua prisão, e que nas fortalezas estavam seguros com guarda de infanteria, que lhe tinha prevenido. Ao que deferiram que nas taes fortalezas estavam fulminando contra o dito povo. Vendo eu que não queriam adinittir nenhuma razão, e que não era possível dissuaclil-os, e aquietal-os, estando nesta cidade mais de dous mil homens, todos com animo damnado contra estes Ministros, temendo intentassem escalar a fortaleza de Santiago desta cidade que é muito limitada, sua defensa. sem embargo de ter nella duas Companhias de infanteria. conhecendo se punha com esta repugnancia a risco de uma grande ruína, lhe respondi que eu me tinha obrigado á segurança que pediam, e já que não bastava pelo que manifestavam que eu os mandaria vir para a Cadeia desta Cidade, com condição que o mesmo povo, e seus procuradores se obrigassem á segurança de suas vidas até ordem de Sua Magestade, no que não quizeram convir, e em mim cresceram as desconfianças: neste aperto tão grande, me vali, das cabeças das Religiões para ver se por sua via podia conseguir seu socego; pois valendo-me das armas, desta limitada infanteria (da qual não fio nada) era uma total destruição; com a diligencia dos Religiosos, se resolveram se embarcassem em um Patacho que estava carregado para a Ilha da Madeira o Capitão Pedro’de Sousa Pereira com toda sua família remettidos ao Reino com as culpas que dizem delles têm, e em outros navios Thomé Corrêa de Alvarenga, e seu irmão Martim Corrêa, c emquanto se não fizesse para mais segurança se lhe haviam de botar ferros ao que tudo me requereram désse logar obrasse o dito povo, e do contrario me requeriam, e protestavam dar conta a Sua Magestade dos damnos que do contrario se seguissem; o que tudo o dito povo tem obrado, sem admittir nenhum gênero de razão, não tendo eu mais logar que de sentir a impossibilidade que nisto ha de remédio no estado presente. E com a prisão do Provedor ficou impedido o exercicio de seu cargo e prejudicado o direito e recurso das partes, que não permitte dilaçao: mandei saber delle, se tinha alguma provisão Je Sua Magestade ou de V. Sa. para alguma pessoa servir em sua ausência: respondeu-me que não; a requerimento do Procurador da Fazenda, propuz no Senado da Câmara se era conveniente prover esta serventia até que Sua Magestade ordenasse o une mais fosse servido; e pelo Ouvidor Geral, Officiaes da Câmara Procurador da Fazenda, e mais letrados, Capitães de infanteria, e Ordenança, e a maior parte dos Cidadãos desta Cidade, entre todos concordararn, era muito necessário- fazer-se o tal provimento, como em effeito fiz na pessoa do Capitão Lourenço de Figueiredo Valadares, por sua muita qualidade, merecimento, e zelo no serviço de Sua Magestade, assim no Estado da índia, como neste com toda a satisfação, e sendo particularmente muito afazendado cireumstancia mui necessária para isenção de semelhantes occupações. E como a mais, particular obrigação vem a ser tratar da defensa e fortificação da praça, e esta depende tanto das fortalezas, fiz logo vistoria nellas, com os Ministros, assim de justiça, como da fazenda, e officiaes da Câmara, e as’achei em tão miserável estado, como constará dos autos, que o Ouvidor Geral a meu requerimento mandou fazer para que tudo seja presente a Sua Magestade, não sendo, menos consideravel a grande falta de infanteria que ha neste presidio, como se verá das listas dos soldados de cada Companhia, e esses descontentes, e mal pagos, não só dos soccorros ordinários de cada mez para o sustento, como das fardas, e remates com que se vestem que vae em quatro annos que lhe faltam. De tudo o sobredito neste particular dou conta a Sua Magestade com os autos que se processaram, e o mesmo faz este povo, para que seja servido mandar prevenir o remédio mais conveniente a estas perturbações, e conservação de seus vassallos que é ao que sobretudo se deve attender, e V. Sa. applicar com o zelo (pie costuma, com que além vias obrigações que reconheço ao serviço de V. Sa. lhe ficarei de novo a dever a conveniência de que Sua Magestade me faça mercê mandar me alüviar deste encargo, que vem a ser grande e trabalhoso, lidando com vassallos descontentes, e queixosos havendo eu saido de uma bem larga, e molesta enfermidade, de que ainda não estou convalescido; c o que é mais para sentir, com a praça tão desmantelada de inCantoria, e de tudo o mais que para sua segurança, e defensa é necessário como constará dos autos da vistoria, e diligencia que fiz sobre este particular, que como tão necessário e importante deve dar maior cuidado, e desvelo aos que desejamos acudir a nossa obrigação como devemos ao serviço de Sua Magestade que Deus guarde e a V. Sa. coimo desejo. Rio de janeiro 15 de Dezembro de 1660. Agostinho Barbalho Bezerra. | ||
Tipologia Normativa | Carta | ||
Referência | Documentos Históricos Biblioteca Nacional, v. 5, p. 120-126 | ||
Palavras-Chave |